POEMAS


De CONTRACANTO (1968)


CONTRACANTO


Estou em meu poema
Como os amantes se estão.
Moro nas vogais e consoantes
Circunflexos
Ós e xizes cantantes.

Estou nos casebres tristes
Da imaginação.
Sou nas quase
Vírgulas de ouro
Que faço sem porquês.

O alfabeto habito
Como me moram
Muitas vezes muitas
Meu coração.

LAMENTO DO RIO RAIVOSO

Essa água
Onde um tronco vai
Não é água.

É sangue.

Esse rio que corre
Não é rio.

É rei coroado de pontes.

Essas conchas
Que lhe servem de leito
Não são ostras.

São ossos trazidos dos mangues.

Essa nascente do rio Cocó
Só pode ser dois olhos
Muito grandes
Chorando a vida toda
Por ter nascido rio
E não fuzil.

CANTO AUSENTE

Os pássaros da meia-noite
Por que não cantam
Por quê?

Não há flores
De canteiros
Se abrindo
Ao amanhã?
Brisas cheias de amores
E as pratas finas da lua?

Os pássaros da meia-noite
Por que não cantam
Por quê?

O encanto das mulheres
Já não distila
O mel para seus homens?
E a língua triste dos galos
Não embala os inocentes?

Os pássaros da meia-noite
Por que não cantam
Por quê?

Não há paz
Em cada peito?
E as estrelas não guardam
Nas pontas dos cinco bicos
Os hímens das virgens castas?

Os pássaros da meia-noite
Por que não cantam
Por quê?

Não chegaram as borboletas
E os querubins vão chegando
E agitando seus pandeiros de cristal?

Os pássaros da meia-noite
Por que não cantam
Por quê?

Já não dormem
Nos batentes
Os cegos e os mutilados?
E os meninos maltrapilhos
Já não jantaram os farelos do orvalho?

Os pássaros da meia-noite
Por que não cantam
Por quê?

Já não se foi meu diamante
Meu poema e meu suspiro?

Por quê não cantam nos ninhos
Ou nos jambeiros rosados
Os meus doces passarinhos?

...É porque tô acordado!


De LIÇÕES DE ESPAÇO (1970)


MEMENTO A MANUEL BANDEIRA

a estrela de cinco pontas
cinco facas afiadas
ou catavento de flandres
a retalhar o espaço

a estrela de cinco gumes
cinco giletes cortantes
ou lixas de lima rala
a esmerilar seu redor

a estrela de cinco faces
cinco aspas eriçadas
ou xiquexiques crivados
nos arremates dos nimbos

a estrela de cinco fios
cinco serras amoladas
ou raspadeiras nervosas
cuspindo luz na piçarra

1

o universo
tem seu porte e suporte
em elétrons nêutrons prótons
é urgência ao poema
a fissão da massa atômica
a micro física quântica
os principia matemática

2

tem limite dos cardos
cortantes da metafísica
estrela sistema cosmos
o fascínio da galáxia
o silêncio da palavra
o carpir em abstrato

3

cem mil milhares de sóis
igual lote de anos-luz
o poeta assim disserta
premissas e teoremas
de sua esfera anilada

TELETIPO 1957

hoje eclodiu a chama
o oriente cavalga o cosmos
seu cavalo sputnik
vai sem chouto
a 7 mil km por segundo
rompe a barra magnética
o cinto atmosférico
abre a cortina do espectro
e proclama nova era


QUÂNTICA 1

artefacto futuro
flores flos tet flaus
corolas e cálices
discos i halos
címbalos et cordas
o aço em hélices
turbinas a jato
capaciômetros
and elétrodos
transistores
filamentos
ruídos e chilreares
pssssTTssssPssss
orbinauta
astro magnus mare
tranqüilidade imponderável
pssssTTssssPssss
EEUU versus CCCP
e a pássara em seu compasso
é uma cápsula
que pisca seu percurso
bat bit bat

y soy solo azul


QUÂNTICA 5

a nebulosa no olho
arroio de prata e leite
fusão amarelo ocre
na tocha fosforejante

zeus no carrossel coral

a nebulosa no olho
esverdosilosidades
vermelhofuscolizantes
lantejoulinhas no ar


De MEMÓRIA CORPORAL (1982)


TUDO MUDA

Tudo muda no outono

Até o inverno chegar.
Eu era triste até ontem.
 
QUANDO TUA PELE

Quando tua pele de pêssego e veludo
entre tantos e lânguidos abraços
faz vibrar seus acordes de campina,
os pássaros estacam em seus vôos,
as folhas do limão se reverdecem,
as gotas se evaporam no espaço.
Suponho que no mapa dos amores
sempre que os nossos encontros acontecem
um novo marco acresce ao número de beijos.
Sempre que o amor nos une no mistério
as horas são extrínsecas ao tempo,
não há manhã, nem tarde ou noite,
porque ignoramos ampulhetas e relógios.
Quando amamos feito dois duendes
o nosso amanhã é tão indiferente,
o que passou parece tão distante,
e o nosso agora tão definitivo
que faz lembrar nossa primeira lua.
 
O TEMPO DOS AMANTES

Aos amantes tudo é permitido
pois dos seus atos nascem nobres rosas
e dos seus olhos brotam melodias
enquanto estrelas lá no céu passeiam.

O tempo dos amantes não se conta
pelos relógios exatos, impassíveis.
O seu registro é o ritmo de abraços
que o leve sopro do tremor embala.

Felizes são aqueles que, amantes,
dão-se de todo aos ritos do seu jogo
e amparam suas mágoas e desejos
na reciprocidade sacra de seus ventres.
 
EPITÁFIO

Aqui jaz o amor um dia dito
só de beijos e flores viveria.
E não morreu por falta de sustento,
ardor e sonho, pois estes vivem sempre
ao jugo seco da crua existência.
Deixou de haver o sopro simples,
o desejo de ser o conivente,
o comparsa do outro na paixão
que a vida faz ruir devagarinho.
Quem esta morte de bom grado aceita
quer deixar escrito na memória,
na verdade indestrutível de um poema,
o seu perdão, o seu adeus,
o seu soturno desamparo ausente.

De VERBO ENCARNADO (1996)

 

POEMA POR MEU POEMA


Diga
diga meu poema
mesmo com tédio, cansaço
ou ainda em solidão.

E diga
principalmente
se a madrugada for longa
se a tempestade for fria
se longo for o combate.

Repita
se for o caso
quando a lua esteja em férias
e o rosto azul das estrelas
lhe parecer descabido.

E em qualquer caso
repita
para a sua namorada
amiga, mãe, conhecida
balconista, atendente
secretária ou irmã
pois ele também ajuda
a quem quer compreensão.

Monologue o meu poema
diga em duo
cante em coro.
Declamemos para o povo
pois eu faço um canto amargo
em tempo igual amoroso.

Quero vê-lo repetido
cantado, amado e sentido
na boca pra quem o quero.
Poema de quem viveu
só terá se completado
no lábio de quem o fala
pois meu intento
quem dera
é vê-lo libertação.

DIDÁTICA DO HOMEM

A Expedito Parente
Que sentido tem a água?
Matar a sede do homem.
Fazer florescer as plantas.
Que sentido tem o chão?
Apoiar pés que trabalham.
Transformar corpos que morrem.
Que sentido tem o homem?
Que sentido tem o céu?
Tingir os olhos de azul.
Deixar voar qualquer asa.
Que sentido tem o sol?
Enrubescer qualquer face.
Purificar o impuro.
Que sentido tem o homem?
Que sentido tem a lua?
Repousar a natureza.
Deixar vir o outro dia.
E assim outros versos seguirão
até não ter mais sentido
o meu próprio perguntar.

Que sentido tem o homem?

Acusar o seu vizinho.
Matar por nesga de terra.
Invadir país amigo.
Fabricar santas prisões.
Executar por castigo.
Lançar bombas sobre os outros.

Homem, o homem terá sentido?

OS AUSENTES

Ao Frei Tito
Os ausentes necessitam sempre
bilhetes, cartas e coisas
vezes pequenas lembranças
uma gravata, um poema, um postal.

Os ausentes são tão necessitados
que ninguém os lembra
nem só por saudade ou falta.

Os ausentes têm mãos invisíveis
e figura tão diáfana
que os versos para eles
já nascem feitos poemas.

Os ausentes por qualquer acaso
jamais fogem ao nosso convívio
ainda que a distância seja tanta.

Dos ausentes fica sempre um sorriso
como as pinturas recheias
de surpresa, reencontro e irreal.

NÃO DESESPERES NUNCA


Não desesperes nunca.
A vida é assim mesmo.
Um dia para a dor
um outro pra esperança.
E não te furtes
ao convívio do que é belo
pois a pureza espera sempre além.
Olha como se amam as borboletas
que fiam corpos vivos no mistério
e não dizem versos
porque fazem vôos.
O amanhã é sempre diferente.
O amanhã é verde como as folhas
que apaziguam nossos olhos com seu mar.
Não desesperes nunca.
A vida é mesmo assim.
Um dia é para o mal.

O outro é pro perdão.


GEMEDEIRA DA FLOREIRA


Encovados olhos negros
por detrás duma touceira
de arame, cola e papel
e cores que estão na feira
para alimentar um filho
ai! ai! ui! ui!
da filha desta floreira.

Florista fabrica flores
para as jarras de alto luxo
para os bolsos de alta venda
e oferta flor de cartuxo
estendendo os dedinhos
ai! ai! ui! ui!
mais roxos que o próprio roxo.

Florista fabrica flores
e seu ritual de rua
é um bailado sem som
um triste cantar de loa
a Estrela d’Alva sem luz
ai! ai! ui! ui!
e a borboleta na lua.

POEMA PARA FORTALEZA


Em Fortaleza amo as coisas que não passam.
A molecada a jogar cabiçulinha
roendo milho, empinando uma arraia
dando fieira para o giro dos piões.
E amo do Forte sua fortitude
e o Mercado de São Sebastião.
Amo o velho Farol do Mucuripe
e as jangadas com os peixes da manhã.
E o cruzeiro de Soares Moreno
posto na lama do Rio Ceará.
Amo o Cocó, bela imitação de rio
que pescadores miseráveis aleitou.
De Fortaleza amo as carnaúbas
o vento aracati e os sanhaçus
a Igreja do Rosário dos cativos
a Volta da Jurema com broche de coral
e o Passeio Público, também Praça dos Mártires,
cheia de heróis, de execuções, de horror.
E mais, bem mais posso dizer, pois amo
de Fortaleza as coisas que não passam
por teimosia, só por teimosia,
com suas línguas de rebelião!

 


CONTINUA PENSANDO

A Bráulio Ramalho
Quando armarem a árvore de Natal
lembra-te do seu símbolo de fé.

Quando vierem os votos de Natal
lembra-te de um convívio mais fraterno.

Quando acenderam as luzes de Natal
lembra-te: elas brilham sobre as trevas.

Quando cantar o galo do Natal
lembra-te dos dormidos nas sarjetas.

Quando cevarem o peru do Natal
lembra-te: – servirá a quantos?

Quando sortearam as prendas de Natal
lembra-te: são poucas para muitos!

Quando partida a torta de Natal
lembra-te dos sedentos e famintos.

Quando servirem o vinho do Natal
lembra-te do sangue, do suor para fazê-lo.

Quando celebrarem a missa do Natal
lembra-te de orar pelos miseráveis.

Quando dobrarem os sinos no Natal
lembra-te dos presos, mortos, desaparecidos.

Porém, já finda a festa de Natal,
continua pensando em tudo o que eu te disse!

De SINCRETISMO: A POESIA DA GERAÇÃO 60

OLHE A POÇA


Há quem olhe a poça e veja a lua

Numa noite de intenso tremedal
Nela viaja a sede acre, insaciável
Do homem que trabalha, mas não vive
Daquele que não sabe já quem é
A sede é de tudo e de justiça
E o sedento não vê flores no caminho
A não ser nos canteiros do futuro

Mas como o advir não lhe pertence
Sendo a certeza um fruto de amanhã
Pisar na poça talvez não lhe pareça
Senão mero obstáculo a vencer
Um passo a mais do corpo que carrega

E enquanto a vida for seus dias de alugado
O seu suor, o seu sangue, o excremento
Para ele todo o céu será cinzento
Ter nascido foi ganhar uma sentença

Vai o homem, pisa a poça na calçada
E há quem olhe a mesma poça e veja a lua

POEMA DE DESCRENÇA


Não acredito no poeta banqueiro

E ainda menos no poeta bancário
Ambos se estragam
O primeiro por muito, o outro
Por pouquíssimo dinheiro
E mal assim começa a vida acaba

Não confio no poeta banqueiro
Porque camufla na palavra sonho
As moedas que a caixa-forte guarda
E onde ele escreve a palavra amor
Esta vai ditada pelos cifrões do subconsciente

Não confio no poeta bancário
Pois seu emprego, afinal, é tudo
E quando quer dizer que é explorado
Esquece as palavras, perde a fala
E a poesia no tampo de sua mesa vai sacrificada

Por isso, meus amigos
O cavalo Pegasus não lambe o ouro de Midas

O ouro, todos sabem, não voa
Mas o cavalo, sim, porque tem duas asas
Para fugir das operações de crédito e usura

 

SUGESTÕES


Se me dizem a palavra trigo

Quero possuir a lírica semente.
Se me falam a palavra pedra
Logo imagino o leito de uma estrada.
Se a palavra polícia é-me dita
Sonho com a segurança da cidade.
Porém, se os valores vão ficando invertidos,
Se me dizem a palavra trigo
Penso então nas mãos mais calejadas.
Se me falam a palavra pedra
Logo explode a idéia de confronto.
E se a palavra polícia é ouvida
Vem com berros e o gemer dos torturados.

NO CENTENÁRIO DO CÃO

                               In memoriam Adolf Hitler

A merda com que Hitler pintou as paredes da Alemanha
Logo Bertolt Brecht decifrou
E enquanto o “pintor”salpicava seus merdiscos
O poeta transpunha a fronteira de sua pátria
Porque tinha de anunciar aos sete povos do planeta
O grande feito do temível ditador

Um dia Hitler foi coberto de bombas
em seu bunker, em seu próprio jardim
E, mais louco do que Nero
Disparou um tiro de pistola nos seus miolos de excremento

Então, aquela com que pintara as paredes da Alemanha
Escorreu dos muros do Terceiro Reich, o seu império
E cobriu a terra onde sepultaram o seu corpo de merda
 


POEMAS TRADUZIDOS (Espanhol, Galego e Francês)

TRADUCCIÓN: OLGA GRIFO DE RAMAL

UNA GAVIOTA

La cintura tan suave
y el párpado fibroso,
que sentí romperse un lirio nuevo.
Una gaviota casi posa sobre nosotros.

TODO CAMBIA

Todo cambia en otoño
hasta llegar el invierno.
Estaba triste hasta ayer.

POEMA DEL IMPREVISTO


De los rótulos lancé al fuego
todas las memorias.
Ahora soy el que toca
las tardías horas
y en tus anillos
arabesco
un resplendor de equinocio.
No soy el advenedizo
ni soy el que adfué.
Soy el imprevisto
vestido de ternura.

EL CABALLERO Y LA MONTADA

Vive en tu cuerpo
el corcel de la gloria
que sólo cabalga
en las frías madrugadas,
más rápido y luciente
espuma y transpira
sobre nuestro amor.
Y somos el caballero y la montada
que se confunden en un abrazo.
Vive en tu cuerpo
el corcel que me liberta
y sólo se distende
en las madrugadas y auroras
músculos y trotes
para nuestro baile.
Y somos
sobre todas las cantatas
el proprio amor que recorremos juntos.
Tradución: Gonzalo Armán

CANTIGA DE AMOR


                        Eu velida non dormia
                               lelia doura
                               e meu amigo venia,
                               edoi lelia doura.
                              
                                               Pedr’ Eanes Golaz

Nacido en tu corazón
Semente doce, cereixa,
Cabrito lambendo a terra,
Laranxas, soles e limons
O amor acalma o peito,
¡Edoi lelia doura!

As flores das tuas mamilaa
Son luces das tuas tetas
E xunto a min son dous peixes
No mar anil do Oriente.
Auga que refresca o corpo,
¡Edoi lelia doura!

Na mancha negra me tes
Com xeito tosco das rias
Mais a dozura dos pinos,
mel ardente de caricias.
Vento que sopra os ollos,
¡Edoi lelia doura!

Pluma en teu corazón
Corola presa entre redeas,
Resendo de pedras mornas,
Soños, marcas e furores.
Amor se recebe en beixos,
¡Edoi lelia doura!

VISITA TUMULAR A ROSALIA


                        Para Maria do Amparo Tavares Maleval

Rosalía, e tuas dores,
Pregunto: ¿Onde é que estan?
Dormes baixo o fino po
Do vento que sube, sube,
Os frios brancos da lua,
¿Ou ondas do mar de Vigo?
Porque suspiras de amores?

Poeta, pregunto e findo,
Pela rosa: ¿Está doente?
E por lia: ¿Ferve o frio?
Ou das cousas que che dice
En meio o pedregosos agro
¿Teus ollos estan sorrindo?

GUITARRA GALEGA


                               Para Laura Esteves

Cando a palabra for trabada
No idioma que meu pai loubou
A hora de amor com miña nai
Cando o fillo no ventre fixose feto;
Namentras a palabra for banida
Das terras labradas polo avó,
Escola na que fillo aprendeu,
Tabernas en que o sangre foi queimado;
Mentras a palabra for poscrita
Do pan gaño a cutio,
E das colleitas do viño,
E do servicio do tren,
Dos bancos e da xusticia,
Meu peito estará sangrando,
As mans se faran de pedra
E unha guitarra galega
Rosnará lingua acestral.

CANTIGAS DE DOR

           
                        Para Rosa Born

Pulsanme nas veas

Ferve o sangue
E as horas mortas
Fan crecer meu transo –
De estar partido
Entre carños,
Flor que Galicia,
Tormento, España.
De estar xebrado
Entre camños
Crebanme arterias
E estanca a linfa.
E as horas mortas,
Me doi a febre,
Febre que e tanta,
Fame infinda.

Traduction: les Dominicaines de La Tourette (Lyon)


Pour Tito:

d’un ami de Fortaleza.

 

Les Absents


Les absents ont toujours besoins
De billets, de lettres ou d’autres choses
De temps à autre un petit souvenir
Une cravate, un poéme, une carte postale.

Les absents sont tellement dans le besoins
Que personne ne les évoque
Même pas à cause du vide qu’ils creusent.

Les absents ont des mains invisibles
Et le visage si diaphane
Que, pour eux, les vers
Naissent déjà poéme.

Les absents, en aucun cas,
N’echappent à notre pensée
Quand bien même la distance est si grande.

Des absents reste toujours un sourire
Comme les peintures remplies de surprises
Nouvelle, rencontre, irréelle...






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